O desafio de implantar o tratamento do câncer com células CAR-T no Brasil

O Brasil tem diante de si uma oportunidade única de introduzir o tratamento no SUS no curto prazo e com significativa economia

Opinião Estadão Editorial da edição de 24/01

Opções terapêuticas para pacientes com leucemias agudas e linfomas de células B em estágios avançados não raro eram limitadas, com chances de sucesso variáveis, mas em geral não muito animadoras. Esse cenário um tanto desapontador tem sido modificado com a chegada do tratamento com células CAR-T. Essa terapia, que faz uso do próprio sistema imunológico do paciente, tem apresentado resultados promissores, levando à remissão e, mesmo, à cura. Trata-se de uma abordagem revolucionária, uma esperança renovada para os pacientes. Mas há um desafio considerável no caminho: o custo.

Em média, por paciente, esse tratamento custa aproximadamente R$ 2 milhões. Essa realidade torna o tratamento menos acessível tanto no sistema de saúde público quanto no privado. O tratamento é um processo dos mais complexos: exige a modificação genética e o cultivo industrial das células CAR-T, e para isso são necessários laboratórios especializados e ambientes classificados. Células CAR- T são células do sistema imunológico aperfeiçoadas no laboratório e são extremamente eficiente na destruição dos tumores.

E não se trata de um tratamento caro apenas no Brasil: ele impõe custos altamente restritivos na maioria dos países. O Brasil, no entanto, tem diante de si uma oportunidade única de introduzi-lo no Sistema Único de Saúde (SUS) no curto prazo e com significativa economia. Uma versão nacional dessa tecnologia foi desenvolvida pelo grupo de pesquisa do Centro de Terapia Celular (Cepid- Fapesp-CNPq-USP) de Ribeirão Preto. Em 2019 foi realizado o primeiro tratamento bem-sucedido num paciente com linfoma. Desde então, mais 13 pessoas com leucemias e linfomas de células B foram tratadas, também com resultados extremamente positivos – uma delas, inclusive, ganhou recentemente amplo espaço na mídia, repercutindo em todo o País.

Em 2021, o grupo de pesquisa e o Instituto Butantan estabeleceram parceria que resultou na instalação de duas unidades de produção, capazes de entregar inicialmente 300 tratamentos por ano. Uma dessas unidades é o Núcleo de Terapia Avançada (Nutera-SP) que fica no câmpus da Universidade de São Paulo na capital paulista; a outra (Nutera-RP) fica no Hemocentro de Ribeirão Preto. Com a aprovação do produto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a capacidade poderá ser ampliada para até 600 tratamentos por ano.

Esse objetivo, no entanto, demanda investimento. As fases 1 e 2 de um estudo clínico com cerca de 100 pacientes com linfoma e leucemia terá um custo aproximado de R$ 100 milhões. Mas isso levará a uma economia de cerca de R$ 140 milhões, se comparado com o custo do mesmo tratamento se for realizado em entidades privadas. O estudo clínico será realizado nos três hospitais de clínicas vinculados à USP e à Unicamp, em Ribeirão Preto, São Paulo e Campinas. A Anvisa deve aprovar o protocolo da pesquisa ainda no início deste segundo semestre e, uma vez aprovado, terá início imediato. O projeto foi apresentado recentemente ao Ministério da Saúde e a outros órgãos de fomento, em busca de apoio e financiamento.

Promover essa tecnologia essencial em nosso país poderá gerar benefícios que vão muito além dos ligados imediatamente à saúde dos pacientes. Não só o sistema de saúde brasileiro terá muito a ganhar, como uma nova indústria pode ganhar força e ajudar a impulsionar a economia do País. A indústria de terapias avançadas tem potencial de mercado estimado em R$ 5 bilhões no curto prazo. O Brasil tem a chance de se tornar uma liderança mundial neste campo.

Oferecer tratamento com células CAR-T no SUS é nada menos que uma opção revolucionária no combate ao câncer. O Brasil pode, assim, num futuro bem próximo, se equiparar aos países mais desenvolvidos do mundo em termos de tratamento de câncer.

Dimas Tadeu Covas, Professor titular de Hematologia da Universidade de São Paulo, É coordenador do Centro de Terapia Celular CEPID-FAPESP-USP e do Instituto Nacional de Células-tronco e Terapia Celular no Câncer (INCTC-CNPq-FAPESP).

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